30.7.08

A porta da frente

Nasci e morei 14 anos numa casa na beira de uma das avenidas mais movimentadas do Tremembé. No pé da serra, mas nem de longe sossegada como a região deveria ser.
Barulho de buzina, de briga de rua no meio da madrugada, de vira-latas revirando o lixo.
E assaltos. Incontáveis vezes essa casa foi assaltada.
Talvez (talvez não, com certeza) por isso trancar a porta de entrada era quase um tique nervoso da família. Especialmente do meu pai. Era dele a função. Era ele quem, antes de ir pra cama, checava cuidadosamente as três trancas.
Na verdade ninguém nem percebia que existia alguém com tal incumbência. Eu menos ainda.

Anos depois mudei de casa. Fui pra uma região muito mais calma. Muito mais segura.
Mas o guardião continuava seu ofício. Menos trancas dessa vez, mas mesmo assim: não existiu um único dia em que ele foi se deitar sem cumprir a tarefa.

Até que um dia eu era a única acordada na casa. Depois de assistir meia dúzia de programas pegos pela metade (em canais escolhidos com a aleatoriedade de quem boceja sem parar às três da madrugada) resolvi subir para o quarto.
Foi então que bati sem querer os olhos na porta da frente e ela estava aberta. Cadeado destrancado e uma única volta na chave, como se fosse uma tardede sábado.

Fiquei alguns segundos parada, olhando, sem ação. Fui até a porta, tranquei. Chequei novamente. Forcei a maçaneta e espiei pela cortina. Aparentemente tudo ok.
Foi exatamente nesse momento que me dei conta que não havia mais guardião. Mesmo já fazendo um tempo da partida.

Desde então não existe uma noite que eu não estale o tal cadeado sem lembrar da época que eu nem sabia que ele existia.

Pá, agora pode deixar comigo!

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